23 de outubro de 2015

A princesa do shampoo Johnson's

      Fui marcada em uma postagem na rede social que parecia tão simples, o comercial do shampoo Johnson's. A propaganda apresenta um shampoo para crianças com um determinado tipo de cabelo. Até aí tudo bem, eles andam vendendo produtos para todos os tipos de cabelos infantis. Apesar de parecer uma fofura, ela se tornou de mal gosto ao apresentar a frase: "Sua princesa com cabelos de princesa". 

      Fiquei pensando sobre o que é ter cabelos de princesa. Fui lembrando das vezes em que ouvi as meninas dizerem que estão se sentindo como uma princesa. São os momentos que estão com um belo penteado nos cabelos ou usando neles fitas, acessórios e turbantes, quando estão perfumadas e com uma roupa que acham bonita. Então cheguei a conclusão que todas as meninas podem ser princesas, todas possuem a beleza da infância e quando se penteiam e se ornam ficam ainda mais charmosas mesmo, elas têm razão.

     Bom, acho que muitas pessoas concordam com esses critérios que determinam o que é um "cabelo de princesa" na visão das meninas. Mas a empresa do shampoo não pensa isso não, segundo o comercial abaixo:

      Fiquei pensando nas meninas de cabelos crespos e ondulados, de cinco e seis anos, que assistiram esse comercial. Lógico que elas não têm idade para saber se estão dizendo que podem ou não ser princesas, isso está no entendimento do adulto. Mas elas estão na idade dos sonhos e fantasias, de querer ser e pertencer. Quando estiverem na escola e o tema da brincadeira for "princesa", as amiguinhas que correspondem ao modelo princesa Johnson's dirão a elas: -Você não pode ser a princesa, você não combina. Os meninos não aceitarão o que, para eles, não é uma princesa de verdade. Aí também incluo os meninos de cabelos crespos e ondulados. Todas essas crianças farão isso com propriedade, pois aprenderam na TV. Para elas tudo o que aparece lá é o correto. Essas meninas começarão a pensar nas mudanças urgentes que precisam fazer nelas mesmas, pensarão que algo está errado e precisa ser corrigido, assim na próxima vez serão princesas.

      Vai ter gente para dizer que as mães delas vão saber lidar com isso muito bem e explicarão corretamente que não tem nada de errado com elas. Bom, ouvir isso é o mesmo que ver adulto sonhando com contos de fadas. As mães dessas meninas também cresceram acreditando que tinha algo errado com elas. Também assistiram comerciais que "explicavam" muito bem seus supostos defeitos. Algumas contarão com a sorte de ter mães que resistiram às informações, mas outras não.

Krespinha esponja de aço 1952 - Fonte O Estado de São Paulo
      Essa propaganda de 1952 é um exemplo. Ela está divulgando uma esponja de aço para lavar louças. É dessa forma que as mães, avós, bisavós das meninas de hoje, cresceram vendo seus cabelos. Só de ver a propaganda, dá para entender o motivo delas acharem os próprios cabelos uma tristeza.       Por causa de coisas assim, como essa aí ao lado, que hoje tem pessoas que usam palavras pejorativas para o cabelo crespo.        Então, essas mulheres tratavam de transformar os cabelos quimicamente para não serem alvos de comentários. Só se viam nas propagandas representadas de forma ofensiva ou eram invisíveis. 


       Quem foi nascendo em meio a isso, de tanto ouvir as pessoas falarem mal nas ruas e TV, cresceu achando normal não ver a beleza do próprio cabelo . O vídeo abaixo é um comercial de shampoo, Colorama da Bozzano de 1976, mostra a invisibilidade dos cabelos crespos e mulheres negras nos comerciais de shampoo.

      Quando a pessoa não se encontra em nada que corresponde ao seu cabelo e a sua etnia, ela começa a achar que o problema está com ela. Então ela tenta transformar isso para se adequar. As soluções eram os produtos químicos. Muitas mulheres com cabelos crespos usavam henê nos anos 70, mas os comerciais desses produtos também não retratavam mulheres semelhantes. Assistam o vídeo do Henê Pelúcia, em 1977,  abaixo:


      A diferença dessas propagandas antigas para as de hoje é que a ofensa era permitida, como na propaganda da esponja de aço, e não retratar todas as etnias do povo brasileiro, como nos comerciais de cabelo, era uma coisa normal. Então eles seguiam ensinando as pessoas negras a não se encontrarem em nada, a não gostarem delas mesmas, a achar que tudo em sua aparência estava errado, a admirar a etnia do outro e a rir de si mesmas. 

     Se os negros encontram dificuldades de questionar sobre isso hoje, imagina na época que o racismo não era considerado crime. Então está explicado porque nem todas as mães dessas meninas conseguirão explicar as suas filhas que elas podem sim ser princesas. Sofreram a mesma coisa na infância.

       As meninas negras do passado cresceram recebendo o seguinte recado através das propagandas das empresas: Você não existe aqui. As de hoje recebem o recado da Johnson's: Você não tem cabelo de princesa.

     Felizmente hoje podemos reclamar, mas ainda não somos respeitadas por todos. Agora virou moda dizer que quem reclama por não ser visto nas propagandas ou por receber mensagens de exclusão, como essa da Johnson's, reclama de tudo. É interessante ouvir: - Ah, antigamente não era essa chatice, hoje não se pode nem mais fazer piada com nada, falar nada que vem essa gente dizer que é racismo! Se você acha engraçado rir de etnias que não são as suas e acha normal dizer às meninas que elas não podem ser princesas, pois seus cabelos não são adequados, sabendo da importância disso na infância, se cuide, tem algo errado com você. Procure um especialista. 

      As propagandas seguem de geração em geração baixando a autoestima das pessoas. Só que a Johnson's não é tão ruim assim. Vale destacar, que a empresa lançou também um shampoo para cabelos cacheados das crianças há pouco tempo e a propaganda foi interessante. Nos EUA, ela atende a todas as etnias do país. Lá suas propagandas são dirigidas a todos. Só aqui no Brasil que ela nos manteve invisíveis por todos esses anos. Essa propaganda abaixo é dos anos 70, nos EUA é claro:
                                                Se alguém me contasse, eu não acreditaria. 

      Não tem problema um comercial ou produto ser destinado a um tipo de cabelo. Cabelos são diferentes, tanto lisos, crespos quanto ondulados. Cada um é cuidado de uma forma. O problema são as frases que excluem e incentivam um grupo de crianças a não gostarem de si mesmas e as outras a não aceitarem as diferenças.  

        Tem gente que adora dizer que alguns negros são racistas com eles mesmos. Só esquecem de dizer os motivos: foram ensinados por anos a serem assim. Foram criados por pessoas que foram ensinadas da mesma forma. Assistiram informações assim a infância inteira, desde que inventaram a TV. Agora esse comercial da Johnson's presta sua colaboração.

         Existiu uma pessoa que já analisava isso, pensava a frente do seu tempo: Malcolm X. Ele deixou muitas mensagens e essa é adequada para o parágrafo acima. Reflitam.


6 comentários:

  1. Michele você é Diva! Seu texto está maravilhoso, muito embasado historicamente, amei! Me representou!

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  2. ola amiga michele fiz um pergil nog mail kkk estou aqui agora valeu abraços

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  3. Sem palavras! Texto completíssimo! Deveria se tornar uma carta aberta para esse povo e empresas que insistem em repetir os mesmos erros de sempre!

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    1. Obrigada, Jussara Barbosa. Estamos todas juntas esperando melhorias!

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