18 de outubro de 2015

História e Cultura Afro-Brasileira na escola, você ensina?

     No dia 09/01/2003, foi sancionada a lei que incluía com obrigatoriedade o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira. Ela entrou no currículo oficial, alterando a lei 9394/96. Depois a lei foi alterada e passou a ser obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, lei 11.645/08. Mas o ensino afro encontra mais resistência. O que entristece é que a maioria dos professores de todos os segmentos não estão cumprindo. A lei já vai fazer 13 anos em janeiro e tem gente dizendo que é novidade. Alguns alegam que "não encontram material" (a internet está lotada, criem desculpas melhores) e outros não encontram a utilidade.
      
Para os que não encontram "utilidade" vou relembrar uma história velha. Quando os portugueses chegaram aqui, encontraram os índios e, a partir das primeiras instalações das lavouras de cana-de-açúcar, em 1530, começaram a trazer os primeiros negros, precisavam de mão de obra.  Enfim, os brasileiros passaram a existir com a união de três povos. europeu, indígena e africano. Esses três povos e suas culturas formaram o que somos hoje: brasileiros.

      Já ouvi outras desculpas como "temos japoneses, italianos, espanhóis, holandeses e vários outros povos aqui, então temos que ter uma lei pra cada povo". As perguntas a seguir ajudam a refletir na resposta: Eles formaram o que hoje é o povo brasileiro? Correspondem à nossa verdadeira origem? A resposta é não. Quando chegaram aqui, o brasileiro já existia. Alguns até influenciaram nosso povo, mas ao já formado povo brasileiro. E mesmo assim aprendemos sobre eles também, o conteúdo é bem pequeno, mas ainda é maior do que aprendemos sobre as histórias indígena e africana, que são as nossas origens. 

      Ouvi também a falácia "Não tem nada de importante lá na África". Os que dizem isso não conhecem nada sobre e formaram uma opinião sem embasamento teórico algum. Se tivessem, pelo menos um pouquinho, saberiam que os egípcios não eram brancos . Saberiam que o continente africano já tinha sua história há muitos séculos antes dos portugueses chegarem lá. Para todos os que compartilham dessa opinião, vale muito a pena assistir ao vídeo "Os perigos de uma história única" com a escritora nigeriana Chimamanda Adichie. Viu só, já aprendeu que na Nigéria, país do continente África, tem escritores (rsrs).

      
      O povo brasileiro adora repetir as frases "no Brasil não existem pretos nem brancos, somos todos miscigenados", "a única raça que existe é a humana", "somos todos iguais". Essas frases costumam provocar irritação em algumas pessoas e não é por não concordarem com elas, e sim porque se realmente fosse uma verdade que fizesse parte do nosso cotidiano não seria necessária uma lei obrigando que ensinem a história e cultura de 2/3 da composição de um povo e não teríamos PROFESSORES se recusando ou fingindo não saber ensinar. São frases fantasiosas, ditas por quem não quer assumir que ignora a história de um povo e que no dia a dia não vê a diversidade de forma muito harmoniosa. 

      Na escola só aprendemos sobre a cultura européia, a dos índios somente dia 19/04 e muito mal explicada, cheia de estereótipos. Da cultura africana, aprendemos a libertação dos escravos e sobre Zumbi, sempre acompanhadas de muitas tentativas de descrédito, ou seja, não aprendemos nada sobre o povo brasileiro. Pensando em nossa harmonia como um povo, já ouvi um homem dizer: "eu não sou preto (de fato, não era), nem vim da África, não quero aprender sobre isso!". Mas ele é brasileiro e não percebeu que aprendeu somente sobre Portugal e outros países da Europa. E como brasileiro deveria saber sobre todo o povo brasileiro. E querendo ir mais além, onde está o "somos todos humanos e miscigenados"? 

      Tem também os professores preconceituosos, que dizem que não podem ensinar sobre cultura africana, pois sua religião não permite. Dizem que é "macumba". Já começam mal, pois macumba é um instrumento musical, e os nomes das religiões de origem africana são Candomblé e Umbanda. Esses professores terão ou têm, alunos com religiões diversas e precisam aprender a respeitar a religião do outro. Esse desprezo pelo outro vindo deles, contribui com a intolerância religiosa também entre os alunos. O preconceito impede a busca da informação, e faz com que não percebam que o ensino de história africana e afro-brasileira que a lei determina não é  sobre religião. Não sabem que existem literatura africana, filosofia africana, pré-história africana, geografia africana, arte africana... Professor (a) por favor, menos! Pesquisar, aprender para ensinar faz parte da profissão.

Princesa Sikhanyiso
Não só o ensino é afetado. Além de negar aos alunos essas informações, esse tipo de negligência causa transtornos de identidade e baixa autoestima nas crianças negras.
Quando fazia estágio, ouvi a conversa abaixo:

Criança: - Professora, existe princesa igual a mim? 
Professora: - Não, menina. Não disse que os negros eram escravos? Como que escrava vai ser princesa? 
Criança: - Ah, tá! (acompanhada de uma carinha de decepção e constrangimento pela risada das amiguinhas).

Será que se essa criança tivesse uma professora realmente comprometida com o ensino, ela teria essa frustração? Se a professora tivesse interesse em aprender para ensinar, saberia explicar para a criança que na África teve e tem princesas iguais a ela.
(Foto: Princesa Sikhanyiso, Seu pai é o rei da Suazilândia)

      Se você perguntar a uma criança negra, que tem aulas com professores que não ensinam o que a lei determina sobre a história de seus antepassados ela provavelmente responderá: "os negros vieram no navio negreiro, apanharam muito. Antes de serem libertos criaram leis que foram libertando alguns escravos aos poucos e depois os outros foram libertos pela princesa e fim".

      Separam a história do Egito do ensino da África, fazendo o aluno não relacionar o país à história do continente de onde seus antepassados vieram. Pouco explicam sobre ser um continente, se referem como um único país, que só tem fome, mato, calor, muitos bichos e pessoas sem civilização. Não explicam que ter uma cultura diferente da sua não é falta de civilização e que muitos países africanos são globalizados culturalmente. Ah, quando chega a fase de aprender sobre doenças ensinam muito bem. O que é ruim sempre foi muito bem explicado.

      Esse ensino mal feito somente prejudica, faz com que a criança negra passe a odiar a cultura do grupo étnico do qual faz parte. Dificulta o entendimento das outras crianças sobre o conceito de diversidade e da história dela como brasileira. Ensinar cultura e história afro não se limita a tocar no assunto apenas nos dias 13 de maio e 20 de novembro. Os diversos assuntos precisam ser inseridos o ano inteiro.

http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/200/decada-encoberta-302321-1.asp
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm
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